LER E CONTAR ÀS CRIANÇAS

O “Ler & Contar” é um projecto que vai fazendo questão de responder às necessidades de leituras dos mais jovens, de aprendizes de leitor e seus respectivos e respeitáveis mestres. Há pouco mais de dois anos, tem realizado a possibilidade de acesso gratuito a colecções de textos de autores que se expressam em língua portuguesa. As ilustrações geniais e originais realçam o fôlego das palavras e facilitam o imaginário de quem toma e lê.

Por Fernando Kawendimba
Escritor

Em Angola, depois de marcar presença nalgumas escolas públicas e privadas desde 2020, anos de estreia dos contos originais, o site manteve-se aberto para que outros leitores espelhados pelo mundo inteiro pudessem “descarregar cada ficheiro para um computador ou dispositivo móvel, imprimi-lo numa folha (A3 ou A4) de cor à escolha, e dobrá-la conforme as instruções, obtendo assim um fascículo, até formar a colecção”.

A 16 de Junho, na Escola Virgem Milagrosa, por ocasião do Dia da Criança Africana, tivemos uma sessão de apresentação especial, original e única como os próprios contos, para alunos da quarta, quinta e sexta classes do ensino primário. O colectivo “Ler & Contar” juntou-se àquela comunidade escolar para celebrar a infância e brindá-la com textos e imagens que lhes marquem as histórias e contribuam para o seu desenvolvimento integral.

As reuniões de preparação entre Lisboa e Luanda garantiram uma acção memorável. O programa “Ler e Contar” estava entregue e integrado à programação da escola. As crianças foram chegando cada uma mais cedo do que o habitual. Naquele dia, aulas não havia, mas a aprendizagem era uma garantia. Assim, iam ocupando os seus assentos móveis instalados no pátio da escola. Quase sempre a calma inquieta as crianças. Algumas foram se agrupando em função dos interesses: muitas, pautadas pela excelência, queriam e necessitavam uma vez mais de fazer um ensaio da coreografia de dança, da declamação poética, da peça teatral, da vontade de expressar a cultura africana de Angola por via da arte ou do que quer que fosse que haviam se inspirado e combinado a apresentar. O pessoal administrativo e os professores supervisionavam o funcionamento técnico e organizativo do ambiente. Não havia mais tempo a perder naquele espaço escolar. Alguns alunos queiram apurar algumas informações que haviam recebido a partir das salas de aulas, no dia anterior, tendo os próprios professores como fontes orais: temos visitantes?

A primeira convidada a chegar foi a senhora Débora Dias, proprietária e directora da papelaria e livraria Komutú, parceira do colectivo “Ler e Contar”; tem ajudado significativamente no acto de impressão e distribuição dos contos para o público infanto-juvenil mais carenciado. Em suas mãos, os contos multiplicados para saciar a fome e sede de leitura de todos os presentes, até sobrar. A Madre Angelina Domingos Mateus, directora da escola, e a professora Flávia Kutala, a mestre de cerimónia do evento, receberam, da senhora Débora Dias, as instruções para dobrar adequadamente os folhetos.

A animação enquadrada ao programa havia começado com toda a energia boa contagiosa, própria das crianças. A primeira das três turmas da quarta classe formou uma constelação dançando no pátio transfigurado em palco. A seguir, a segunda turma declamou um poema sobre os direitos da criança. A terceira e última cantou, tocou e dançou uma adaptação do “hino para a unidade africana”, intitulado “orgulho africano”, da autoria do moçambicano Mauricio Lumbalo e, mais recentemente, popularizado em Angola pelas Gingas do Maculusso.

Nesse instante, chegou Octaviano Correia, o convidado especial, de quem todos haviam mais esperado bem como o momento de Apresentação do “Ler&Contar” propriamente dito. Acolhido com fortes e merecidas salvas de palmas e ovações, tomou o seu assento e foi apresentado por mim ao público. O que dizer de um octogenário que dedicou mais de metade da sua vida na escrita, publicação e divulgação de literatura infanto-juvenil? Começámos por referenciar que o autor do texto “O patinho que não sabia nadar”, constante no livro didático de Língua Portuguesa da 5.ª classe era criação sua. A admiração e empolgação dos meninos e das meninas foi aumentando cada vez mais. Quem não sabia tomou o conhecimento de que o escritor nasceu no Lubango, Angola, em 1940. Co-fundador da União dos Escritores Angolanos desempenhou as funções de Secretário para as Actividades Culturais e Redactor da revista literária “Gazeta Lavra & Oficina”. É membro fundador da Associação dos Escritores da Madeira (1989). Director do Instituto Nacional do Livro e do Disco de Angola (INALD) -1980/1981. Na Rádio Nacional de Angola (Luanda) realizou, durante 3 anos, o programa (diário) para crianças “Rádio Piô”, o programa “Onda da Manhã” e a rubrica semanal de divulgação literária “Boa noite, Boa leitura”. De 1985 a 1988, com o escritor Dario de Melo, foi redactor e co-coordenador da Revista “T-VEJA” da Televisão Popular de Angola -TPA. Aliás, no seu discurso de apresentação prestou homenagem ao seu grande amigo e colega de estrada literária Dario de Melo que havia falecido em Benguela, no primeiro domingo do mês em curso, quem Octaviano considerou o maior na criação de histórias para crianças e jovens. Das suas 23 obras publicadas e colaboração em páginas literárias de vários jornais angolanos, Octaviano apresentou algumas aos meninos e meninas com quem interagiu e de respondeu perguntas. Este autor tem, no projecto “Ler & Contar” dois contos: “O Velho e o Lago Misterioso” e o “O Barco Pintado de Vermelho”. Este último, que já viaja pelo mundo inteiro pelo nosso projecto e também pela TAAG – Linhas Aéreas de Angola através da sua revista, foi o escolhido como carro-chefe para ser lido aos pequenos.

Houve espaço e tempo para que o escritor também apreciasse o talento e o empenho da criançada. As turmas da quinta classe apresentaram uma coreografia de dança, uma peça teatral e um desfile das profissões. As turmas da sexta classe dançaram kuduro. Os professores distribuíram os contos para todos, incluindo encarregados de educação ou algumas pessoas não convidadas que terão suplicado uma autorização extraordinária de entrada.

Débora Dias foi alvo que bravos elogios e menções de gratidão pela presença e colaboração. Octaviano Correia, uma lenda da escrita, da leitura e do livro, foi ovacionado por prolongados segundos pela sua apresentação, disponibilidade e ensinamentos. O escritor prometeu regressar sempre que os pequenos leitores lhe quiserem ler e escutar. A gratidão da comunidade escolar foi extensiva à equipa coordenadora do projecto especialmente a Glória de Sousa e o Samuel Rego que, apesar da distância, são, têm e fazem de tudo para que mais crianças leiam e contem em Angola e por outros mundos.

Nota. Todos os artigos de opinião responsabilizam apenas e só o seu autor, não vinculando o Folha 8.

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